Redacción 17/05/2020

“Há que partir da base de que o galego nom está assegurado na sua existência simplesmente com que se declare a sua cooficialidade. […] É indispensável ter um sentido histórico da língua: nom se pode construir um galego sobre a base do estado atual do idioma nas camadas populares, porque sabemos que durante muitos séculos foi deturpada a língua oral (a única realmente existente) por influência do castelhano. […] O galego nom pode prosperar, sobreviver, se nom mantem o contacto com o resto das normas do seu mesmo sistema”.

 

Com estas palavras, Ricardo Carvalho Calero (1910-1990) falava numa entrevista dos anos oitenta a favor do achegamento ortográfico do galego ao conjunto de falas do sistema galego-português. Como ainda lembram uns poucos, naquela altura a academia galega batia-se num debate sobre a normativizaçom do galego entre, grosso modo, a postura autonomista, ou isolacionista, e a lusista, ou reintegracionista. A primeira propunha uma norma baseada na dialetologia das falas populares e na ortografia do espanhol, namentres a segunda defendia criar uma norma ortográfica achegada ao sistema de origem do galego atual, quer dizer, o galego-português. Carvalho Calero foi nom só um dos nossos académicos mais lúcidos, senom tamém um firme defensor do reintegracionismo linguístico, e por muitos esforços que fizera este bom e generoso homem por encontrar um acordo com os autonomistas, estes acabaram impondo a sua postura com o Decreto de Normativización da Lingua Galega de 1983. O devir destes acontecimentos aparece maravilhosamente explicado num documentário da AGAL (Associaçom Galega da Língua), caso a leitora esteja interessada em saber mais.

O professor Ricardo Carvalho Calero é comemorado neste estranho ano 2020, com excessiva demora para muitos, no Dia das Letras Galegas. Boa oportunidade, como qualquer outra, para reconhecer-lhe a sua contribuiçom à língua e à cultura galega, para reflexionarmos sobre o estado e o futuro da nossa língua e, se calhar, reconhecer-lhe tamém certa razom. 

Pois a realidade é que os últimos dados publicados polo Insituto Galego de Estatística, relativos a um estudo realizado em 2018, mostram mudanças alarmantes para o futuro da língua na Galiza. A percentagem de galegas de entre 5 e 14 anos que nom sabem falar galego é de 23,09. O emprego do galego mantém-se geralmente estável (o 30,57% fala sempre em galego), mais ainda é maior o número de pessoas que falam mais espanhol do que galego (23,32%), e nom vice-versa (21.72%). O que é mais preocupante: se olhamos para a povoaçom mais nova, de entre 5 e 14 anos, os dados dim que o 73,88% emprega sempre ou mais o castelhano, e só o 14,27% fala habitualmente em galego. De consolidar-se, a tendência semelha quanto menos destrutiva num prazo mui curto.

Teimuda como é a realidade, nom podemos tornar o olho doutros aspectos da questom: desde um ponto de vista puramente linguístico e por motivos históricos, o galego e o português som línguas mui próximas, mutuamente inteligíveis e constituintes dum mesmo sistema linguístico, se bem é evidente a castelhanizaçom da norma promovida ao norte do Minho. Numa enquisa tamém recente realizada polo Consello da Cultura Galega sinála-se que mais do 60% da cidadania afirma ter competência em português, e uma maioria similar crê que o português deveria ser promovido pola Xunta (62%) e no sistema educativo (73%). O conhecimento do português na Galiza semelha tamém, nom surpreendentemente, ligado a um maior nível de competência noutras línguas e melhores níveis de renda e ofício. De facto, o português é já uma opçom em muitos centros educativos graças à Lei Paz-Andrade (2014), promovida por iniciativa popular, mais isso apenas o sabe o 17% das galegas.

Sendo a facilidade dos galegófonos para aprendermos o português tam grande, poucas pessoas ignoram as vantagens das que, aos níveis cultural, político e económico, poderíamos gozar de achegarmos a nossa língua ao português. Eis a maneira em que, além do próprio sentido funcional e histórico que possui a ideia de promover um galego próximo da sua origem, a proposta reintegracionista contribuiria à sobrevivência da língua.

O movimento social, cultural e académico reintegracionista da atualidade aposta em grande medida por uma aceitaçom das duas correntes em torno das que, hoje, se dá o debate. O chamado binormativismo (duas representaçons gráficas para uma mesma língua), existente em países análogos como Luxemburgo e Noruega, suporia a oficialidade e um uso semelhante das duas normativas: a norma da ILG-RAG, atualmente oficial, e uma norma confluente com o português, que favoreceria a aprendizagem deste e faria dos nossos textos mais legíveis para os lusófonos.

Com ânimo de salientar o perigo que supunha para o galego deixar-se levar pola tendência castelhanizante, o nosso homenageado autor dixo uma vez que “ou é galego-português ou é galego-castelhano, nom há outra alternativa”. Estas palavras, bem atinadamente proféticas, devem hoje ser entendidas se somos quem de, com arrojo e determinaçom, mudar a realidade para nom sermos nós a geraçom que viu a nossa própria língua perecer.

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